terça-feira, 13 de maio de 2008

O mundo é um moinho.


Inda mais: havia Cartola. Era um alma boa, nascido e criado nas rodinhas, forjado no samba, pelo samba, na pureza, sem maiores embelecos. Pontificava havia já uns trinta anos. Tinha no espírito alguma coisa daquela renúncia rara da música pela música, coisa não aprendida em bancos escolares, e sem objetivos outros — viver na sua reserva de sonhos.


Compunha porque gostava. Isso era tudo. Como era da Manga compunha para a Mangueira. A escola saía à avenida, anos e anos, cantando ritmos de Cartola. Muita vez, o crioulo de nariz de couve-flor — a evidenciar um entornador de cachaça — foi premiado nos carnavais. Querido, cortejado, admirado no meio das escolas todas.


Bom, lá de dentro, lá no íntimo. Sensível, dolente, harmônico, humano, musical. Tinha uma linha melódica rica e própria, agradava em cheio. Diferente de um talento desnorteante como o de Nélson Cavaquinho, diferente do desvario e do ímpeto de Geraldo das Neves. São exemplos. Cartola sempre fez a sua coisa, independente e, assim, fazia a noite de qualquer um, com suas músicas contando seus casos, no rebolado da conversa jeitosa. Era nobre na sua singeleza. Vamos dizer. Suas peças teriam o fascínio deslizante e o desenho dos movimentos de um mestre-sala, quando em quando, em câmara lenta. E um papo e tanto, na batida calejada e nas implicações da malandragem.


Trecho do Conto: Zicartola - Recordações de uma Casa de Samba. Escrito pelo mestre João Antônio.

Ouvindo: Segure Tudo - Martinho da Vila.

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